Da coragem de minha mãe às células-tronco!

Da coragem de minha mãe às células-tronco!

Eu tinha dezessete anos, quando a coragem de minha mãe mudou completamente o rumo da minha vida:

— Você tem coragem de ir estudar tão longe de casa, filha? Você é tão nova…

No auge de minha inocência, respondo como se fosse a coisa mais fácil do mundo:

— Tenho…

Mal sabia eu.

Vinda de família com pais extremamente amáveis, eu não tinha ideia do que era o mundo lá fora, habituada a todo amor que recebia dentro de casa.

Se de um lado eu era cercada por pessoas da família que trabalhavam com a educação, como o meu próprio pai, o Professor Piauilino, eu também tinha alguns parentes médicos, que me permitiam sonhar com a profissão.

Fui uma menina feliz, considerada o carrapatinho do meu pai, já que sempre ia com ele à escola acompanhar o seu trabalho. Eu escrevia na lousa e falava sozinha por horas a fio, como se estivesse dando aulas. E me sentia realizada.

Filha única mulher e com dois irmãos mais velhos, eu nunca tive qualquer ponto negativo sobre a vida junto da minha família, pelo contrário. Quanto mais eu vivi, mais compreendi e tive a certeza daquilo que mais importa na vida: o amor.

“Amor nunca faltou!”

Dizem que, na vida, se ganha de um lado e se perde do outro, gerando sempre uma compensação. Se numa fase não estamos bem no trabalho, pode ser que o amor compense. Se o dinheiro estiver faltando, talvez o conhecimento ajude ou um bom círculo de amizades. Se faltar saúde, talvez o amor chegue. E assim por diante.

Uns acreditam: azar no jogo, sorte no amor. Como eu nunca joguei nada, talvez seja por isso que eu tenha tanta sorte. E que, por fim, hoje reverbera em praticamente todas as áreas da minha vida.

Eu sempre acreditei que Deus me ama, isso porque o amor que recebi dos meus pais sempre foi o meu maior combustível. Nada teve mais importância do que isso em toda a minha trajetória.

Bem mais tarde, Deus me mostrou que me ama ainda mais, quando me mandou o meu marido, o Dr. Tércio Rocha. E não foi por acaso, já que fomos unidos por uma medalhinha que eu tinha no pescoço, numa foto no WhatsApp com Ela, Minha Nossa Senhora das Graças.

Histórias de fé não me faltam, mas, para falar de coragem, eu volto para a minha mãe, dona Almerina.

No auge de sua superproteção e amor, ela me ouviu falar de um colega que pretendia ir para outro estado, bem afastado, para fazer medicina quando terminasse o terceiro ano do ensino médio. Eu nem pensei no assunto naquele momento, mas ela sabia do meu sonho. E me perguntou:

— Então, Martha, você quer ir?

— Quero!

Na época, como toda adolescente, não pensava muito, não conhecia o mundo além da minha cidade e nem suas peculiaridades. Então, minha mãe começou a se abrir sobre o que eu precisaria para estudar longe de casa. Entrei em contato com quem precisava e fui criando um novo horizonte para mim, a partir dali.

No dia de viajar, minha mãe se mostrou arrependida.

Já no aeroporto ela pega no meu braço e o sacode:

— Minha filha, se você quiser, pode desistir agora, não tem problema.

Lá dou eu de ombros outra vez:

— Mãe, já estou indo, não tem a possibilidade de eu voltar atrás.

Não sei de onde eu tirei tanta coragem.

“Mentira. Sei sim: dela!”

Minha mãe chorou.

E eu fui. Simplesmente segui em frente, para um novo mundo, uma nova vida, um novo futuro. Mesmo sendo tão jovem.

Eu passei cinco anos longe de casa. Não foi fácil: era praticamente como se fosse outra cultura, sentia  solidão, a falta dos meus pais e a ruptura da minha inocência, que foi se transformando em maturidade, dia após dia.  

  Diariamente, eu falava com a minha mãe por telefone, por cerca de duas horas, até o aplicativo WhatsApp ser lançado. Mas não eram simples ligações, minha mãe era minha psicóloga, minha fonte de amor, força. Era minha médica, amiga, irmã, meu tudo.

“Bendito WhatsApp!”

Durante todo o tempo em que estudei medicina, sonhei atuar nas áreas de ortopedia e traumatologia. Gostava de outras áreas, mas essas me chamavam a atenção. Estava decidida!

“Vou usar o meu conhecimento para ajudar os pacientes que sofrem com lesões, contusões, fraturas ou qualquer problema nas articulações, ossos ou musculatura.”

Era um sonho quase realizado!

Eu não tinha palavras para descrever a sensação de realização ao acompanhar pacientes que chegavam fraturados em estado grave e iam melhorando gradativamente, até se sentirem inteiros outra vez, como tantos esportistas e pessoas de todas as idades. Havia algo de especial neste processo, que me fazia desejar participar de tudo isso.

O tempo passou e a adaptação foi acontecendo aos poucos e as tantas matérias médicas, devo dizer que meu maior perrengue foi no último ano.  

Eu sempre tive o hábito de comprar frutas frescas diariamente e, por isso, conhecia as pessoas de uma feira e os funcionários de um mercadinho, um do lado do outro.

Num sábado de manhã, passei pelo que acredito ter sido uma tentativa de sequestro, quando dois homens me seguiram durante a minha ida à feira e ao mercado, mas, com a ajuda dos conhecidos, que me viam ali quase todos os dias, tudo não passou de um susto.

“Os anjos que Deus coloca na nossa vida na hora certa!”

Só agradeci!

Durante pelo menos três dias, eu chorei e não conseguia chegar perto do trinco da porta, onde morava. Por mais que a situação pudesse ser insegura para meus pais, a minha mãe, mais uma vez, me fez ver as coisas por outro lado:

— Você não vai desistir, filha. Você teve coragem para chegar até aí, levanta a cabeça e segue!

Eu estava muda.

Então, minha mãe continuou:

— Se você desistir agora, nunca mais termina o curso, Martha.

Eu respirei fundo, de olhos fechados, sentindo suas palavras na alma.

Eu sabia que ela estava certa, porque eu estava passando por toda aquela solidão em nome do meu sonho de me tornar Médica.

Ela ainda falou, com amor:

— São provações que a gente passa na vida, faz parte.

Eu sabia que minha mãe tinha razão. Se eu fosse embora naquele momento, talvez não voltasse mais.

Suspirei e respondi:

— Tá bom, mãe, se você está me mandando continuar, então, eu vou continuar!

— Isso, filha!

Eu fiquei, mas tive que lidar com outras questões que passaram a me fazer companhia.

Comecei a ter dores no tórax, que dificultavam a minha respiração, tinha angústia, medo, e o diagnóstico foi de estresse pós-traumático.

Foi interessante me ver como paciente, com algo que sentia no peito que não vinha de fator ortopédico, mas emocional.

— Como eu vou tratar os pacientes que chegarem com dor, pensando que é algo ortopédico, mas é de fundo emocional? — perguntei para mim mesma.

Todas as situações que vivenciava me levavam a raciocinar como médica, pensando em como poderia atuar aliviando o quadro dos pacientes. E, naquele momento, a paciente era eu.

“Segue em frente, Martha!”

Sempre pensava nas palavras da minha mãe.

Faltava pouco tempo para o exame final, e estresse era a última coisa que eu precisava, mas aprendi a conviver com ele.

Como todo domingo eu frequentava a missa, pedi a Deus que me ajudasse a superar aquela fase e conseguisse ser aprovada no exame.

Eu fiquei de joelhos e pedi de todo coração:

— Me abençoe, Senhor. Me permita ser motivo de orgulho para a minha família. Por favor.

Um dos maiores medos que carreguei foi o de decepcionar minha família de alguma forma. E estar estudando fora me fazia sentir a obrigação de passar no exame final, mesmo quando a minha mãe, com toda a sua amorosidade, dizia:

— Você não precisa ser aprovada, Martha, está tudo bem.

Só que, logo em seguida, mais uma história de fé se realizou em minha vida, quando, na manhã seguinte, eu ouvi uma voz no meu quarto que me dizia que o exame estava aprovado para mim!

Um dia depois, a minha mãe me disse que também ouviu, em oração, que o exame estava aprovado para mim. E assim foi!

Fui aprovada no exame final e vivi uma das maiores alegrias da minha história, quando soube que fui aprovada e contei para meu pai e minha mãe:

— Eu consegui!

Eu estava pronta para seguir na ortopedia e traumatologia. Me sentia forte, feliz e realizada. Ia voltar para casa e simplesmente continuar a realização da minha trajetória na medicina.

Mas a vida não acontece como a gente planeja.

Pouco tempo depois que retornei, veio a pandemia da covid-19, o que deixou todos aflitos. No meu caso, considerando o estado de saúde frágil da minha mãe, considerei verificar as possibilidades, caso ela fosse acometida pelo vírus. Foi assim que cheguei às células-tronco pela primeira vez.

A verdade é que, em meio a toda insegurança que vivenciei pela saúde da minha mãe, acabei encontrando o amor da minha vida, hoje, meu marido. Foi através dele que comecei a descobrir tanto o caminho das células-tronco nas áreas de ortopedia e traumatologia, como em todas as outras.

Eu me sentia constantemente surpresa, realizada e motivada a saber mais:

— Mas as células-tronco fazem tudo isso?

— Sim, Martha — ele confirmava com alegria contagiante.

Hoje, vivo a realização de me encontrar ainda mais na medicina, através da medicina regenerativa e das células-tronco, atuando não só nas áreas que sempre sonhei, mas em todas que se fazem necessárias no meu dia a dia.

Como médica e testemunha, dia após dia acompanho a disrupção que as células-tronco já estão causando no mundo: eliminando remédios, rejuvenescendo, restaurando órgãos desenganados, evitando cirurgias e salvando a vida de pacientes. Transformando pessoas.

É outra forma de atuar na ortopedia e traumatologia, ainda melhor do que havia conhecido e trabalhado por tanto tempo.

Esse é o meu legado: perpetuar o melhor dos meus pais e o melhor que a medicina me deu, bem como o amor do meu marido.

Ser parte dessa disrupção é algo muito maior do que jamais sonhei. E, por isso mesmo, tomo a coragem de minha mãe para seguir em frente, todos os dias.

Aconteça o que acontecer!